Material de Pesquisa e Documentação Nº 05

"Muito me perturbou essa busca da relação da obra, do autor, do grupo e da cidade proposta pelo orientador. Essa provocação ao olhar e o encontro desses com a cidade não cabiam direito dentro das minhas percepções. Cabia sim o entendimento da importância que isso teria, mas não da maneira que seria feito.

Por coincidência, se é que isso existe, estava lendo um trecho do texto de Brecht, que me fez realmente começar uma busca dessa relevância de fazer o teatro que envolve o grupo, o autor e a obra encontrar de fato com a cidade.

“Sobre o Teatro de todos os dias”

Vocês artistas, que fazem teatro

em grandes casas, sob a luz de sóis postiços

ante a platéia em silêncio, observem de vez em quando

este teatro que tem na rua o seu palco:

cotidiano, multifário, inglório,

mas tão vívido e terrestre, feito da vida em comum

dos homens – esse teatro que tem na rua o seu palco.

(...)

(Cf. Bertolt Brecht, Teatro dialético. Rio de Janeiro: 1967 Pag. 49)

No segundo encontro quando estávamos fazendo uma cena no lado externo do armazém, o dono do prédio mais dois funcionários chegaram para deixar algumas coisas. Houve naquele momento um certo estranhamento, uma certa pressão de todos que estavam fazendo e acompanhando a cena. Nosso orientador nos chamou a atenção no final do encontro para aquele momento. O que não percebemos é que houve naquela hora um encontro com a cidade.

È isso que de fato buscamos? Fazer teatro para encontrar a cidade não é somente ficar acomodado dentro do nosso espaço cotidiano de trabalho e permitir que de vez em quando as portas se abram.

Planejando encontrar mais respostas e maneiras de como promover esses encontros com a cidade, resolvi neste último encontro sair um pouco do local que estamos “acomodados” e buscar a cidade.

Como encontrar a cidade se não conhecemos ela tão bem assim?

Está acontecendo na Estação Cultura uma exposição chamada “Estação Catanduva – 100 anos de historia” que contém um amplo material de pesquisa. Me programei para que o encontro começasse ali, do ponto de onde tudo começou para Catanduva e dali partisse para locais relevantes da cidade.

Um fato interessante é que Catanduva é palavra de origem indígena que significa terra ruim ou mato cerrado. E na obra “Yerma” é uma mulher seca, não fértil, assim como a terra ruim.

O grupo também escolheu 3 cenas para apresentarem em três locais de Catanduva que fossem relevantes com a história da cidade. Escolheram o castelinho que é uma das casas mais antigas da cidade além de ser patrimônio histórico e durante o processo descobrimos que foi a primeira casa de espanhóis da cidade o que interliga muito com a obra e o autor. Hoje é um espaço abandonado pelo poder público e o núcleo Sala 18 já fez inúmeros pedidos de ocupação daquele lugar inclusive para a encenação de Yerma. Temos uma carta da coordenadora de cultura nos negando esse local que hoje é lar de moradores de rua e usuários de drogas.

Também escolhemos o Rio São Domingos que leva o nome do padroeiro da cidade e um lugar que morreu mas está sendo recuperado. O rio de 1988 até 2007 era um dos mais poluídos do interior e agora em 2010 está 90% despoluído.

E uma arvore no bairro Theodoro Rosa Filho que fica próximo ao Armazém do Café (sede do núcleo) que os integrantes acharam que tinha muita ligação com o tema Yerma.

Depois disso fomos para a sede do grupo para prosseguirmos com o encontro.

Conversamos sobre as cenas elaboradas e o orientador propôs um exercício. Leu um poema e acendeu algumas velas, deitamos no chão de um em um de modo que ao deitarmos nos encaixávamos um nos outros. Deveríamos respirar juntos e ele nos cobriu com alguns cobertores. Nos sentimos no ventre de uma mãe.

Quando chegamos ao primeiro local da proposta de cena, uma praça às margens do rio São Domingos estávamos conversando sobre ir ao encontro com a cidade quando Bruno achou algumas roupas e perguntou se era proposta da cena. O local estava cheio de moscas e mostrava que naquele lugar freqüentavam moradores de rua. Nesse momento, Bruno empurrou as roupas com certo nojo.

Ficou uma questão nesse momento: Queremos ir de encontro com a cidade. Mas e quando a cidade vem ao nosso encontro? Como abordamos e recebemos essa cidade?

Como podemos nos “abrir” para que esse encontro ocorra de forma recíproca? O sexo só é bom quando os dois indivíduos querem.

Estamos de fato prontos para ser encontrados também?

Como fazer esse autor se encontrar com a cidade que se aproxima tanto de sua obra?

Não se pode negar que Lorca é protagonista de um papel dos mais representativos poetas espanhóis das três primeiras décadas do século passado e tem expressividade até os dias atuais.

Percebi que o teatro “Lorquiano” baseia-se na presença constante de elementos poéticos que vão sempre acompanhados pela inquietação do artista de teatro. Talvez seja porque Lorca era ator então acabava colocando a sua alma em seus personagens.

Quem sabe isso é a riqueza de “Yerma”? Lorca não era só dramaturgo separado do poeta e sim os dois juntos.

Esse para mim foi um dos melhores dias de trabalho desse ano.
Agora é só começar a verticalizar todo esse material.

(RAFAEL BACK - Diretor do Núcleo SALA 18)
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